sábado, 3 de julho de 2010

O Poço da Solidão

                - Para onde você for, irei também, Stephen. Tudo quanto você está sofrendo agora, eu já sofri. Foi quando eu era muito jovem, como você...Mas ainda me lembro.
                    Stephen ergueu uns olhos atônitos:
             - Quer você então vir com Caim em quem Deus pôs uma marca? – disse ela devagar, pois não compreendera direito o que Pudle tencionara dizer. E repetiu: - Então você quer vir com Caim?
                    Pudle passou um braço em redor dos ombros curvados de Stephen e declarou:
                - Compete-lhe um grande trabalho. Trate pois de realizá-lo. Ora, exatamente por ser você como é, acabará afinal se dando conta  que deve transformar isso em vantagem. Você poderá escrever, através de um curioso ponto de vista duplo...Poderá escrever para homens e mulheres graças a um conhecimento pessoal! Nada existe que seja completamente perdido ou excluído; tenho certeza! Todos fazemos parte da natureza. Dia virá em que o mundo reconhecerá isso. Enquanto esse dia não chega, há muito, muitíssimo trabalho à espera. Por amor, e por causa de tantos outros que são como você, mas menos fortes e menos dotados talvez, tantos e tantos outros, compete-lhe ter a coragem de fazer o bem. E eu estou aqui para ajudar você e fazê-lo, Stephen. (p. 238)

O Poço da Solidão de Radclyffe Hall,
1928, Inglaterra.



            -Há uma coisa que tenho querido lhe dizer, Pudle... Trata-se do meu trabalho. Há alguma coisa errada nele. Ou melhor, acho que ele poderia ser muito mais vital. Sinto, percebo que não me sai como quero, que falta alguma coisa sempre. Mesmo em O Sulco sinto que falta alguma coisa... Sei que é um bom livro, mas não foi completo, porque eu não sou completa e jamais serei. Você está me compreendendo? Eu não sou completa!... – Calou-se, não achando as palavras de que necessitava, mas logo embarafustou às cegas: - Há uma grande parte da vida que jamais conheci,  e que desejo conhecer; tenho de conhecê-la, se é que quero me tornar deveras uma escritora eficiente. Trata-se talvez da coisa maior do mundo, e eu não a tive...Isso é tão terrível, Pudle, saber que tal coisa existe por toda a parte, à minha volta, que estou constantemente perto dela e contudo sempre tão afastada! Sentir que nessas ruas as pessoas mais pobres, mais ignorantes, a conhecem mais do que eu! E ouso pegar na pena e escrever, conhecendo-a bem menos do que esses pobres homens e essas pobres mulheres da rua! Por que é que eu não tenho direito a essa coisa, Pudle? Então você não compreende que eu sou forte e moça, e que, por conseguinte, isso que me foi negado me atormenta a ponto de eu  não poder nunca mais me concentrar no meu trabalho? Pudle, ajude-me...Houve tempo em que você também foi jovem... (p. 249)

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