terça-feira, 17 de agosto de 2010

domingo, 4 de julho de 2010

Mário

O pequeno Mário, dentro do berçário, era feito
carta em envelope sem destinatário.
Um menino sem destino, se nome no cartório,
ficou num orfanato até o sexto aniversário.
E foi parar num seminário, onde um padre
fez o Mário conhecer o ABCDário.
Aprendeu a ler a bíblia e o dicionário.
E aos doze já sabia escrever um diário.
O diário era o seu melhor amigo, onde o Mário
 confessava o seu desejo proibido de ser bibliotecário...
e conhecer uma mulher...
e todos os gêneros literários.
Mário! Você conhece o Mário?
Cansou de ser otário.
Mudou de profissão, virou revolucionário.
Vai Mário, vai Mário, vai Mário!
Você conhece o Mário?
Cansou de ser otário.
O Mário tá na área e não tem páreo para o Mário.
Vai Mário, vai Mário!
O garoto Mário, lá no seminário,
era feito um peixe fora d'água, preso num aquário.
Preferiu ir pra cidade, mais um operário.
Quinze anos de idade, menos de um salário.
Menos do que o necessário;
vida dura dividida entre a leitura e o trabalho.
Aos 16 já era um líder comunitário, era um jovem lutador e solidário.
Aos 17 era boy num escritório.
Aos 18 fez serviço militar obrigatório.
Mataram um soldado e precisavam de um bode expiatório.
O Mário era rebelde e foi pro interrogatório.
Inocente até que provem o contrário, foi torturado e virou presidiário.
E lá dentro teve tempo de arrumar seus pensamentos de um modo extraordinário.
Mário! Você conhece o Mário?
Cansou de ser otário.
Mudou de profissão, virou revolucionário.
Vai Mário, vai Mário, vai Mário!
Você conhece o Mário?
Cansou de ser otário.
O Mário tá na área e não tem páreo para o Mário.
Vai Mário, vai Mário!
Soltaram o Mário antes do horário -
a imprensa descobriu seu julgamento arbitário.
Divulgou a sua estória e os seus comentários,
sua vida e o seu discurso libertário:
- Todo ser humano tem direito a ser alguém e tem direito a ter um bem do bom e do melhor.
Melhor pra todos nós se todo ser humano tem direito à sua vez e tem direito à sua voz.
Padres e mendigos, freiras, prostitutas, todos são iguais, todos têm direito à paz, todos têm direito à luta.
Direito e dever de saber e de ver e fazer acontecer.
Todos têm direito de mudar!
Nem todos que sonharam conseguiram, mas pra todos conseguirem todos têm que ter a chance de tentar.
Não tem pra ninguém!
Mas tem que ter pra todo mundo e pra mim também!
Missionário sem religião (sem religião!),
conquistou uma legião, uma multidão,
na sua missão contra a omissão em todos os cenários:
urbanos, suburbanos e agrários.
Mas o seu discurso igualitário foi ficando
cada vez mais duro, mais maduro, incendiário!
Incomodando os poderosos e reacionários,
 que já queriam ver seu nome no obituário.
Mas o Mário tava em todos os noticiários,
nas escolas, nos "campus" universitários,
nas favelas, nas bocas, nas bancas, nas ruas, nas fábricas, em todos os lugares!
- E o Mário rebate qualquer argumento contrário ao seu ideário.
Debate com qualquer político, autoridade ou autoritário;
do executivo, do legislativo ou judiciário;
latifundiário ou megaempresário;
qualquer mercenário do Fundo Monetário...
Ninguém nesse mundo é páreo pro Mário!
E o Mário, que era só um João Ninguém, leu, escreveu, conheceu e foi reconhecido.
Cansou de ser otário. E pra quem ta cansado também, o Mário é um exemplo a ser seguido.
Composição: Gabriel O pensador/Itaal Shur
Álbum: Seja você mesmo (mas não seja sempre o mesmo)

Quando você voltar

Vai, se você precisa ir
Não quero mais brigar esta noite
Nossas acusações infantis
E palavras mordazes que machucam tanto
Não vão levar a nada, como sempre
Vai, clareia um pouco a cabeça
Já que você não quer conversar.
Já brigamos tanto
Mas não vale a pena
Vou ficar aqui, com um bom livro ou com a TV
Sei que existe alguma coisa incomodando você
Meu amor, cuidado na estrada
E quando você voltar
Tranque o portão
Feche as janelas
Apague a luz
e saiba que te amo...


Composição: Renato Russo
Música: Legião Urbana
Álbum: A Tempestade

sábado, 3 de julho de 2010

Era uma vez o amor mas tive que matá-lo

             Nancy podia ficar o dia inteiro lendo. Sid andava de um lado para o outro da casa derrubando tudo o que encontrava pelo caminho. Não conseguia entender o que Nancy via naqueles livros, ele queria comprar um cavalo mas Nancy não se interessava por cavalos. Sid se perguntava que tipo de garota era Nancy mas não obtinha resposta.
- Por que diabos você lê essas coisas, gatinha?
- Eu gosto.
Sid pegou o livro e leu duas linhas.
- E você entende o que diz?
- Não.
- Então?
- Eu gosto.
             De tempos em tempos Sid jogava os livros de Nancy no fogo, então ela perdia o apetite, se drogava a toda hora, não respondia às perguntas dele. Sid via como ela ia se apagando como um lento entardecer de outono. Não era surpresa para Nancy vê-lo chegar trazendo uma caixa de papel rosa com edições de luxo dos livros queimados e novos títulos e autores que ela não conhecia. As revistas femininas escreviam sobre Nancy: para alguns ela era uma idiota, outros a consideravam genial. Sid desconfiava que Nancy conseguia entender aqueles livros e que zombava dele quando os lia. (p. 18)

Era uma vez o amor mas tive que matá-lo
de Efraim Medina Reyes, 2003,  Colômbia.

O bom é que você escreve e continua sonhando com a mulher do vizinho, sonha que a agarra pelas orelhas e crava-lhe a rola. O ruim é que escrever não cura seus desejos assassinos, que assaltar um supermercado continua sendo o seu objetivo impossível. O ruim é que ainda deseja um amor inesquecível. O bom é que escrever é outra forma de cagar e se masturbar. O ruim é que você lê os grandes autores mas só Bukowski lhe diz alguma coisa. O ruim é que um dia a garota mais bonita toma conhecimento que você escreve e não deixa que lhe meta fundo, até o outro lado da morte. O ruim é que escrever serve para tudo aquilo que você não quer. (p. 73)

O Poço da Solidão

                - Para onde você for, irei também, Stephen. Tudo quanto você está sofrendo agora, eu já sofri. Foi quando eu era muito jovem, como você...Mas ainda me lembro.
                    Stephen ergueu uns olhos atônitos:
             - Quer você então vir com Caim em quem Deus pôs uma marca? – disse ela devagar, pois não compreendera direito o que Pudle tencionara dizer. E repetiu: - Então você quer vir com Caim?
                    Pudle passou um braço em redor dos ombros curvados de Stephen e declarou:
                - Compete-lhe um grande trabalho. Trate pois de realizá-lo. Ora, exatamente por ser você como é, acabará afinal se dando conta  que deve transformar isso em vantagem. Você poderá escrever, através de um curioso ponto de vista duplo...Poderá escrever para homens e mulheres graças a um conhecimento pessoal! Nada existe que seja completamente perdido ou excluído; tenho certeza! Todos fazemos parte da natureza. Dia virá em que o mundo reconhecerá isso. Enquanto esse dia não chega, há muito, muitíssimo trabalho à espera. Por amor, e por causa de tantos outros que são como você, mas menos fortes e menos dotados talvez, tantos e tantos outros, compete-lhe ter a coragem de fazer o bem. E eu estou aqui para ajudar você e fazê-lo, Stephen. (p. 238)

O Poço da Solidão de Radclyffe Hall,
1928, Inglaterra.



            -Há uma coisa que tenho querido lhe dizer, Pudle... Trata-se do meu trabalho. Há alguma coisa errada nele. Ou melhor, acho que ele poderia ser muito mais vital. Sinto, percebo que não me sai como quero, que falta alguma coisa sempre. Mesmo em O Sulco sinto que falta alguma coisa... Sei que é um bom livro, mas não foi completo, porque eu não sou completa e jamais serei. Você está me compreendendo? Eu não sou completa!... – Calou-se, não achando as palavras de que necessitava, mas logo embarafustou às cegas: - Há uma grande parte da vida que jamais conheci,  e que desejo conhecer; tenho de conhecê-la, se é que quero me tornar deveras uma escritora eficiente. Trata-se talvez da coisa maior do mundo, e eu não a tive...Isso é tão terrível, Pudle, saber que tal coisa existe por toda a parte, à minha volta, que estou constantemente perto dela e contudo sempre tão afastada! Sentir que nessas ruas as pessoas mais pobres, mais ignorantes, a conhecem mais do que eu! E ouso pegar na pena e escrever, conhecendo-a bem menos do que esses pobres homens e essas pobres mulheres da rua! Por que é que eu não tenho direito a essa coisa, Pudle? Então você não compreende que eu sou forte e moça, e que, por conseguinte, isso que me foi negado me atormenta a ponto de eu  não poder nunca mais me concentrar no meu trabalho? Pudle, ajude-me...Houve tempo em que você também foi jovem... (p. 249)

Para uma compilação ampla...

...escreva sobre ela, para seu elogio.

O trecho, 
a página ou a url,
o autor, 
a data, 
o ano, 
o local.

Romance ou não,
poesia ou não,
livro virtual ou não.
Mas ela deve estar presente:
a literatura.
Indicação de sítios, imagens, filmes, afins...

Escreva para:

descoisando@gmail.com

E será postado.
Escreva se queres que sejas mencionado (a), leitor(a).
Obrigada.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Esta página...

Apenas a compilação de si.
Ela inscrita nos textos.
Escrita, lida.
Amada, cuspida.
Misteriosa, sagrada, profana:
A literatura, a própria.
Falando de si.
Elogiando a si.



Courbet Gustave - Juliette Courbet - 1841